O debate sobre desenvolvimento sustentável atualmente percorre o mundo, fazendo líderes e chefes de estados pensarem em políticas e ações que, ao mesmo tempo em que preservam, possam avançar e garantir melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.
Neste abril indígena, vale destacar ações encabeçadas por uma população que tem coordenado esse debate e mostrado ao mundo o valor da floresta em pé. No Acre, os povos originários, com o apoio do governo do Estado, nos últimos anos, têm resgatado sua autonomia e narrativas para serem referência mundial na sustentabilidade.
Neste 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, a Agência de Notícias aborda como a moda ancestral tem sido uma ferramenta não só para a economia dessas comunidades, mas uma potente vitrine para o fortalecimento das raízes e culturas dos guardiões da floresta que, ao longo dos anos, têm se tornado referência em aliar preservação à bioeconomia.
Lideranças indígenas e personalidades do Acre têm ganhado ainda mais força mundialmente após a criação da Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas (Sepi), que tem envolvido os povos originários nos debates e tomadas de decisões, devolvendo-lhes as narrativas de suas trajetórias.
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Conhecimento tradicional e moderno
Nedina Yawanawa, atualmente diretora da Sepi, foi uma das precursoras deste movimento no estado. Para ela, a moda indígena se tornou uma receita econômica dentro das comunidades indígenas, que movimenta a economia e garante que esse valor seja revertido em melhorias dentro das aldeias.
O que começou com um teste e um experimento para ela mesma, acabou se tornando uma forte linha de pequenos negócios dentro das comunidades indígenas.
“Essa prática se tornou uma oportunidade de desenvolvimento sustentável e um sistema de bioeconomia. A produção, a procura e a venda dentro dos territórios no período de vivência e festivais avançou bastante. Todo tipo de arte, desde a roupa, acessórios, quadro, enfim, todas as artes indígenas hoje alcançaram um espaço significativo”, acredita.

Segundo ela, foi uma economia que cresceu de dentro dos territórios para fora, fortalecendo a valorização da cultura e da história dos povos indígenas por meio dos seus artesanatos, incluindo a moda indígena. Ela lembra, ainda, que seu povo, os Yawanawá, foi o pioneiro no trabalho com a moda indígena.
“Em meados de 2018 e 2019, passei a usar minha cultura por meio dos desenhos Yawanawá na própria roupa. Ao invés de a gente usar uma frase inglês, uma caveira, alguma coisa, pensei em fazer isso porque temos desenhos bonitos, que têm significado, e o meu povo sempre estava usando a roupa de outros povos. Foi aí que tive a ideia de trabalhar os desenhos mais populares, usados no Festival Mariri, nos rituais de comemoração, de festas na aldeia, e comecei a pintar nas roupas. Começou com experiência para uso próprio e depois também passei a usar, e quando levei essa amostra para dentro da aldeia, teve uma aceitação positiva do meu próprio povo”, conta.

Foi assim que a ideia de valorizar os desenhos e a cultura do seu povo se popularizou. Os desenhos que começaram a estampar as roupas xamânicas passaram a ganhar a moda fora das aldeias, chegando às grandes passarelas.
“Foi um movimento inspirado no fortalecimento da cultura Yawanawá pelos desenhos, que trazem uma história e foi bem massificado. Depois passou a ser um consumo de fora, em seguida vieram outros artistas e hoje temos muitos artistas que trabalham com roupa Yawanawá e levam à frente esse trabalho lindo, que é de valorização da cultura por meio das roupas pintadas”, pontua.

Festivais como propulsores
Uma medida que fortalece essa economia e deu mais visibilidade a essa arte foi o reconhecimento de mais de 20 festivais indígenas no calendário oficial do estado. Desta forma, eles se tornam propulsores dessa arte, que ajuda a movimentar a economia dos diversos segmentos atrelados ao etnoturismo.
“Os povos indígenas iniciaram esse processo de turismo, de compartilhamento da cultura, e que teve um desdobramento muito significativo na procura de vivenciar a cultura indígena por muitos turistas. Considero que a inserção dos festivais indígenas ao calendário do Estado representa uma valorização, e o apoio que é dado para esse evento fortalece e dá autonomia para aquele povo que está organizando esses eventos”, avalia Nedina.

Mulheres no protagonismo
A coordenadora da Organização das Mulheres Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia (Sitoakore), Gemina Borges, na língua materna batizada como Xiú Shanenawá, explica que as mulheres indígenas do Acre têm se organizado de diversas maneiras em relação ao artesanato e a tudo o que é produzido dentro das comunidades indígenas.
“Esta associação reúne artesãos do Vale do Juruá, incluindo mulheres que produzem tecelagens, cestarias e biojoias, e busca fortalecer a produção cultural tradicional, melhorar a qualidade dos produtos e encontrar mercados para a venda, visando aumentar a renda das artesãs e suas famílias. Tivemos um importante catalisador quando o governo reconheceu os festivais indígenas no calendário oficial do estado. Isso gera oportunidades econômicas diretas e indiretas e fortalece o empoderamento e a organização comunitária em torno do uso sustentável dos recursos naturais. É bom para todos nós”, explica Xiú.

Toda essa movimentação vai além da transação econômica, mas fortalece a diversidade desses povos indígenas e empodera esse trabalho, que tem se expandido no país e no mundo.
“É fundamental que essa expansão ocorra de forma respeitosa, ética e com o protagonismo das comunidades indígenas, garantindo que os benefícios sejam direcionados a elas e que sua cultura seja preservada e valorizada em sua integridade. Acredito fortemente que o fortalecimento da moda indígena é uma forma poderosa de resgatarmos nossa cultura e nos tornarmos donos de nossas narrativas. Essa manifestação artística e cultural transcende a simples vestimenta, carregando consigo história, identidade e cosmovisão”, completa.
A coordenadora deste coletivo, que reúne 452 indígenas de mais de 18 etnias, analisa o cenário como promissor, com incentivo aos pequenos negócios, com potencial no ecoturismo.

I Coletivo de Comunicadores Indígenas do Acre
O Tetepãwã Comunica hoje reforça ainda mais a autonomia dos indígenas, que podem contar com a inovação para se posicionarem sobre assuntos que impactam as decisões voltadas para a comunidade. Além disso, a tecnologia tem sido uma ferramenta fundamental para a quebra de preconceitos e disseminação da cultura e identidade de cada povo.
“Como comunicadora, hoje atuo de forma mais ampla, abordando não apenas questões do meu povo, mas também de outros contextos indígenas. Em 2023, criamos o I Coletivo de Comunicadores Indígenas do Acre – o Tetepãwã Comunica. Por meio desse perfil, comunicamos sobre a diversidade dos povos indígenas do nosso estado e sobre os nossos direitos, sempre a partir da nossa própria perspectiva. Também aproveitamos esse espaço para desconstruir muitas das informações distorcidas que historicamente foram divulgadas sobre nós”, explica a jovem comunicadora Carol Puyanawa, que reside em Mâncio Lima, no interior do estado.
Ela também organiza a venda do artesanato do seu povo por meio de encomendas feitas pela internet, seja na página oficial do Instagram ou pelo WhatsApp. Ela também destaca os festivais indígenas como formas de levar conhecimento e acredita que a ocupação de indígenas em cargos representativos faz toda a diferença.

“Os conteúdos que compartilho nas redes sociais têm alcançado um público cada vez mais engajado. Meu objetivo é dar visibilidade ao meu povo, às nossas festas tradicionais, à nossa história e à nossa cultura. Tenho me apaixonado cada vez mais pela comunicação, pois vejo nela uma ferramenta potente de educação e transformação. Por meio das redes, temos conseguido reeducar muitas pessoas que carregavam estereótipos sobre nossa aparência, cultura e identidade, além de apresentar uma nova forma de contar a verdadeira história do Acre — pela nossa própria voz”, enfatiza.
Uma conquista alcançada pelo povo Puyanawa recentemente foi a inclusão deste nome em suas certidões. Uma ação que teve apoio do governo do Estado, que esteve presente na entrega das novas identidades aos indígenas daquele território.
“Hoje, com muito orgulho, podemos colocar Puyanawa em nossos documentos. E, mais do que isso, muitos pais já estão registrando seus filhos com nomes indígenas, o que representa uma enorme conquista, um símbolo da nossa resistência e do resgate da nossa história. Está nos meus planos, inclusive, retirar o ‘Lima’ do meu nome”.

Parceria do Estado
Carol reconhece que a Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas tem sido uma parceira nessa caminhada de resgate das tradições e enriquecimento da identidade dentro e fora das comunidades.
“Por ser composta por pessoas indígenas, a gestão compreende de forma mais sensível e verdadeira a realidade de cada território, e tem conseguido atender diversas demandas com mais eficiência e respeito. Estar em um cargo de poder deve ser uma ponte para fortalecer nossa voz, não para apagá-la”, analisa a comunicadora.
Por fim, ela enaltece ainda a simbologia por trás de peças construídas e pensadas pelos povos indígenas, sendo uma forma de valorização, mas, mais ainda, de entendimento da ancestralidade e nossas raízes.
“O artesanato indígena carrega história, tempo e ancestralidade. Hoje em dia, o tempo é algo valioso, e uma peça pode levar de 12 a 16 horas para ser produzida, às vezes até dias ou meses, dependendo da complexidade. Cada arte carrega nossos grafismos, que possuem significados profundos, e expressam a representatividade e a força de nossa ancestralidade. Ao adquirir uma peça indígena, a pessoa está levando mais do que um produto: está levando proteção, boas energias, força e uma história milenar que atravessa gerações”, explica.

O olhos do mundo para o Acre
Em agosto do ano passado o Acre participou do Salão do Turismo, com atrativos e experiências turísticas renomadas do estado, ao lado de 25 outros estados e do Distrito Federal (DF). O evento foi organizado pelo Ministério do Turismo (MTur), no Rio de Janeiro.
O secretário de Estado de Turismo e Empreendedorismo (Sete) do Acre, Marcelo Messias, completa reforçando que o artesanato acreano é rico e diz muito sobre as tradições e costumes dos povos. Por isso, segundo ele, é um dos segmentos que tem se destacado Brasil afora.
“Na Casa do Artesanato Acreano, por exemplo, que é gerida pela Sete, são apresentadas diversas peças do artesanato indígena de várias etnias presentes no estado, e que são muito procuradas pelos turistas. Além disso, a Secretaria de Estado de Turismo e Empreendedorismo também tem apoiado nas realizações dos festivais indígenas.”
Para Messias, o reconhecimento dos festivais indígenas foi uma oportunidade de fomentar ainda mais o turismo, tanto externo, como também dentro do próprio estado.
“E isso é muito positivo, porque o turista que vai no festival, que participa da vivência indígena, dos rituais e cerimônias, ele também procura por elementos que vão lembrá-lo da experiência naquele lugar, naquele festival, e o artesanato é um traço muito forte disso. Em grandes feiras do turismo que levamos o Acre, o artesanato indígena também marcou presença, mostrando a riqueza cultural e tradicional que temos no nosso estado. Então, como secretaria, temos muito a somar e contribuir para o fomento dessa atividade”, pontua Messias.
Durante os dias de exposição, o Acre apresenta, no espaço institucional do estado, as experiências visuais do Croa, Serra do Divisor e Festival Puyanawa com os óculos 360º, além de experiências da Trilha Chico Mendes, Serra do Divisor, Rio Croa e o Caminho das Aldeias, destacando os festivais indígenas, que também foram apresentados no espaço Brasil em Festa.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Censo Demográfico de 2022, fizeram um recorte sobre a identificação étnico-racial da população acreana, que mostra que o número de indígenas teve o maior aumento em 12 anos, passando de 17.578 para 31.694 – 80,3% a mais do que no recenseamento anterior. Dos habitantes do estado acreano, 3,8% se declara indígena. Estimada em 830.018 habitantes, a maior parte da população se declara parda, 66,3%; em seguida aparecem os brancos, 21,4%; e pretos, com 8,6%. Em comparação com 2010, os maiores aumentos foram na população indígena e preta, com 80,3% e 67,1%, respectivamente.

O governador do Acre, Gladson Camelí, enfatiza que tem voltado sua gestão para a pluralidade e respeito, dando espaço e voz para que os indígenas possam debater suas pautas e ser parceiros na tomada de decisões que envolvam os diferentes povos e cenários.
“Não governo só e minha gestão é pautada no diálogo. Nós devemos respeito aos povos indígenas e eles são donos de suas histórias, narrativas e desejos. Ao dar voz a lideranças indígenas, o objetivo é que as pautas possam ser debatidas por quem conhece a realidade de perto e entende as necessidades mais urgentes dessas comunidades. Temos avançado, mas sempre trabalhamos para melhorar cada vez mais e estar cada vez mais próximo da população”, garante.
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